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A importância da Saúde Mental nas empresas no cenário pós-pandemia.

Jun 30, 2022

Data Life recebe Mariana Clark para falar da importância da Saúde Mental nas empresas no pós-pandemia. 

Mariana Clark é psicóloga e trabalhou no suporte às famílias dos funcionários da Vale após o rompimento da Barragem do Córrego, em Brumadinho. Tem MBA em Gestão de Recursos Humanos, é formada em Psicologia Positiva e Psicodrama; Instrutora Certificada em Primeiros Socorros em Saúde Mental: Inia Health. Certificada Internacional pelo Metodo Grief Recovery, Mexico; e é Mentora de saúde mental na Top2You - plataforma de mentoria online que inspira, conecta e desenvolve pessoas.



Data Life: Qual a importância da saúde mental nas empresas hoje?


Mariana: Eu diria que é fundamental, muito importante. Mas, primeiro vamos à definição de saúde mental. A OMS, Organização Mundial da Saúde, define a saúde mental como um estado de bem-estar, no qual, cada indivíduo desenvolve suas habilidades para conseguir lidar com o estresse, as adversidades e os conflitos da vida. Para que consiga trabalhar de forma produtiva e estar apto para dar a sua contribuição à sociedade na qual faz parte. Essa é a definição de Saúde Mental. 



Data Life: Mas o que significa isso no dia a dia? 


Mariana: Significa que a gente precisa ter recursos emocionais, naturais, para dar conta das adversidades que a vida nos apresenta. Não é sobre a ausência de adversidades ou a ausência de conflito. Sempre vão existir. O que precisamos entender é que a vida é feita de altos e baixos, coisas boas e coisas ruins, não existe um estado de felicidade pleno. Existem momentos de felicidade que conseguimos alcançar na nossa vida; e momentos de muita dor, muitos conflitos, muita competitividade, que também temos que dar conta. Quando a Saúde Mental não está ligada a um estado pleno, de felicidade e bem-estar, precisamos saber como ampliar ou favorecer o equilíbrio, os recursos emocionais dos colaboradores. Para que eles deem conta das adversidades, para que se sintam acolhidos na volta ao trabalho e à produtividade, encarando suas perdas, lutos e seus medos, tanto na vida pessoal quanto profissional.



Data Life: A pandemia da Covid-19 trouxe a preocupação com a saúde mental. Muitas pessoas tiveram que lidar com confinamento e perdas que culminaram em depressão, ansiedade, entre outras doenças. 


Mariana: Sim. O que aconteceu na pandemia foi um luto coletivo. O luto é um rompimento 

de vínculo. À medida que isso acontece, o indivíduo entra em processo de luto. Geralmente associamos ao luto mais conhecido - que é a perda de pessoas queridas. Mas temos o que chamamos de lutos não reconhecidos, que a sociedade não reconhece, como: o divórcio, a perda de animal de estimação, a aposentadoria, a síndrome do ninho vazio (quando os pais não estão preparados para a saída dos filhos), o aborto, a infertilidade, a mudança de país

ou as que vivemos no contexto corporativo, como a mudança de trabalho, as fusões ou aquisições, as mudanças de cultura. Tudo rompe um vínculo, e precisamos nos reinventar 

para viver uma nova história a partir dali. 


O luto coletivo durante a pandemia se caracteriza por três grandes aspectos: primeiro, mortes em massa. Perdemos, aproximadamente, 700 mil pessoas no Brasil. Para cada morto temos de 10 a 15 pessoas com sintomas agudos do luto. O segundo aspecto é a sobreposição de perdas: perdemos o convívio social, perdemos a capacidade de ir e vir, perdemos dinheiro. O terceiro é o fim do mundo conhecido. Na virada de 2019 para 2020 fizemos planos para o futuro. Veio o coronavírus e devastou esses sonhos. Essa ruptura gerou um trauma generalizado. Agora precisamos sair do lugar de vítima, de impotência. Quando eu compreendo que tenho recursos emocionais para lidar com a dor, eu consigo encontrar um lugar de protagonismo. Esse é o exercício que faço, por exemplo, com as lideranças. Quando reconhecemos nossas vulnerabilidades e nossas potências, conseguimos lidar com as situações negativas e seguir 

em frente, nos reinventar.



Data Life: Você fez parte do grupo de psicólogos contratados pela Vale para apoio a familiares após o acidente com a barragem. Pode nos contar um pouco da sua experiência em Brumadinho?


Mariana: Brumadinho foi uma experiência muito importante na minha carreira. A cada experiência traumática, que afeta outras pessoas, a gente precisa olhar e se perguntar: o que podemos fazer para reparar, para crescer e se redimir frente à sociedade? Eu fiz parte de uma equipe de psicólogos contratada pela Vale que prestava atendimento coletivo para os funcionários da barragem e suas famílias. Logo depois fui realocada para a Diretoria da Reparação - área criada após o rompimento da barragem. Essa equipe cuida até hoje, da prevenção e posvenção, para que tragédias como aquela não se repitam. 


Nosso trabalho era possibilitar a amplitude de recursos emocionais, para que os familiares pudessem dar conta da experiência traumática. Quando pensamos na ressignificação de uma dor e na reparação do sofrimento, precisamos dar espaço para que as pessoas expressem a sua dor. Foi um grande aprendizado. Temos que ter a perspectiva de olhar para organização muito além dela própria, de olhar para o entorno. Afinal, a organização está inserida em uma sociedade. E qual o impacto dela na sociedade? Gera renda, emprego, envolve a comunidade, clientes, fornecedores e famílias dos funcionários. Então essa é a perspectiva de uma empresa consciente, a partir de lideranças conscientes. Enxergar o todo, o macro.



Data Life: Podemos dizer que hoje existe um novo perfil de liderança, mais preocupado com a saúde mental dos colaboradores, mais humano, que valoriza o acolhimento?


Mariana: Regulação emocional é uma competência nova que eu estou apresentando para as empresas. E o que ela é? É uma habilidade de modular os nossos estágios emocionais de forma mais ou menos efetiva. A liderança precisa ser capaz de administrar uma adversidade, um conflito, um estresse, a pressão. E o que isso significa? Se eu der conta das minhas dores, das minhas questões, eu vou ser capaz de ajudar nas questões do outro, apoiar - no caso a equipe, a dar conta de suas questões. 


Então, a Liderança Consciente, que citei acima, é capaz de tratar do seu autoconhecimento, para que esteja bem pra tratar das questões do outro. E a liderança exige o papel de cuidador. Porque a liderança se responsabiliza, promove o bem-estar, cuida, desenvolve, assim como fazemos com os nossos filhos. A gente acolhe, tem disponibilidade emocional para eles, mas também ensina, proporciona autonomia e independência. Qualquer equipe só funciona nesse lugar “transgressor”, de inovação, de criatividade, de desafio, quando sabe que pode contar com o líder para qualquer situação difícil. Porque o líder acolhe e se conecta à dificuldade do funcionário. Então, essa liderança, mais humanizada, chegou para ficar.



Data Life: A pandemia despertou uma preocupação coletiva. Passamos a usar máscara também porque entendemos a importância de não contaminar os outros. Nesse sentido, o profissional hoje está mais ciente do cuidado com o próximo? 


Mariana: Eu não tenho dúvidas, acho que de certa forma, isso é um presente, um legado da pandemia. A gente poder entender e pensar mais no coletivo e não só no nosso próprio umbigo. O profissional de hoje está sim mais ciente e consciente do cuidado com o próximo. 



Data Life: Seria correto afirmar que, com boa saúde mental, um profissional tende a trabalhar melhor, se sentindo seguro e contribuindo para a prevenção de acidentes e a segurança no trabalho? 


Mariana: Essa é uma boa pergunta. Sim, quando temos consciência do nosso papel, da importância de olhar para si e para o próximo, de equilibrar o amor e a dor, equilibrar as dificuldades e os momentos de bem estar, temos mais consciência e autocuidado. 

Quando eu tenho mais consciência sobre o meu corpo, eu vou me cuidar mais e uma das consequências de eu me cuidar mais, é sofrer menos acidentes, é estar menos exposto a situações que podem me fazer adoecer, seja mentalmente ou fisicamente. Quando se está doente, o seu raciocínio, sua concentração e foco, ficam “embaralhados”, desorganizados.

Então, com uma boa saúde física e mental, o risco de acidentes tende a diminuir bem.



Data Life: Atuamos no desenvolvendo soluções tecnológicas para campo nas áreas de energia, construção civil, mineração. Áreas de alto risco, com profissionais em maquinários pesados (escavadeiras), energia (alta tensão), construções como usinas, em locais ermos, isolados, distante da família e do convívio social. Nesse contexto, a saúde mental tem um peso ainda maior e pode ser considerada fundamental?


Mariana: Sim. Quando você tem um trabalho que exige mais, você precisar se cuidar mais. As pausas, o autocuidado, os prazeres, são situações que a gente consegue controlar. Apesar de não ter controle de tudo, eu sei que durante 15 minutos posso me dedicar a brincar com meus filhos. Posso me exercitar, estar em contato com meus amigos ou com a natureza. Qual vai ser a sua escolha para que consiga se autocuidar e dar conta dessa rotina mais desafiadora? 

Se eu sei que vou ter uma rotina difícil essa semana, na próxima vou dar prioridade a mim. Para que na outra semana eu aguente a pressão que vou viver de novo. É como o carregador do celular. Ou seja, preciso estar com a minha bateria recarregada para quando precisar dar conta do estresse, da dificuldade. E neste caso, voltamos para o autoconhecimento: se eu me conheço, sei quais são os meus gatilhos. E sei que eu vou precisar descansar na próxima semana, no fim de semana ou todos os dias um pouquinho. Cada um vai encontrar um lugar para recarregar sua bateria. Mas é necessário encontrar pausas para recarregá-la!



Data Life: Já que estamos falando de ambientes de trabalho de alto risco, o que as empresas ainda podem melhorar, evoluir na relação com seus colaboradores? Já existem alguns kpi’s ou indicadores para avaliação desse processo nas grandes corporações? 


Mariana: Minha escola vem dos meus anos dentro de organizações querendo cuidar melhor das pessoas. Esse sempre foi o meu propósito. Quando saí da última empresa onde trabalhei, conheci o capitalismo consciente, movimento que tem como proposta fazer com que as organizações sejam lugares de cura e não de adoecimento. Precisamos repensar a forma como estamos fazendo as coisas para que possamos alcançar o cliente, o colaborador, a família do colaborador, o fornecedor e os stakeholders.


Existe a cartilha ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) e outras iniciativas.

A proposta é juntar essas agendas fazendo com que as empresas pensem em um lugar diferente. Os investidores querem investir em organizações que sejam conscientes com o meio ambiente, com seus funcionários. Tenho sido mais procurada com essa preocupação, de como transformar a empresa em um lugar diferente, menos tóxico e ampliar a consciência, porque todos preferem se conectar, investir, consumir produtos de companhias que tenham essa dimensão afetiva. 



Data Life: A relação entre empresa e consumidor mudou. Hoje o público interage com as marcas, produtos e serviços nos quais acredita, confia e que são capazes de minimizar os impactos na vida das pessoas e no planeta. A relação empresa-colaborador pode seguir este mesmo caminho, esse sentimento de pertencimento, de identificação e respeito? 


Mariana: A gente vê as propagandas hoje na televisão e vemos o quanto avançamos, quanto incluímos. Temos negros, portadores de deficiência, vivemos em um mundo mais inclusivo. Precisamos só olhar para as pessoas com um pouco mais de humanidade. Diante dessa perspectiva veremos nossos filhos crescendo e se desenvolvendo num ambiente mais humano, inclusive profissionalmente. 


Veja mais sobre o trabalho da Mariana Clark:


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